domingo, 23 de maio de 2010

Eles ainda são minoria

Estou postando esta reportagem, para iniciarmos um debate sobre a educação e a desigualdade social, a partir daí poderemos refletir o papel da escola como sujeito no processo de transformação social.
Esta reportagem foi retirada do portal IG, http://ultimosegundo.ig.com.br/educacao/eles+ainda+sao+minoria/n1237631624228.html , é importante que as pessoas interessadas nesse tema acessem outros links que estão nessa página que trata também do assunto como:
Racismo permeia as escolas; Mitos e preconceitos; "A escola está em função de uma elite social" e  Ações afirmativas promovem igualdade de disputa.

Uma boa leitura para vocês.

Na escola, na universidade ou nos cargos disputados do mercado de trabalho, os negros aparecem pouco nas estatísticas.

Priscilla Borges, iG Brasília
23/05/2010 08:00

João Batista de Sousa, 57 anos, é quase uma exceção. Ao longo da vida, atingiu lugares inimagináveis pela sua família e pela sociedade onde vivia. Negro, pobre, filho de uma dona de casa e um agricultor, decidiu estudar e mudar a trajetória a que muitos à sua volta o condenavam: seguir os passos do pai.

O mineiro da cidade de Uberaba se tornou um cirurgião especialista em coloproctologia (câncer intestinal), e, hoje, acumula ainda as funções de professor e vice-reitor da Universidade de Brasília (UnB). Sempre bem-humorado, João Batista diz que costuma “não dar ouvidos ao preconceito”, que, segundo ele, o "acompanhou sempre".

Os pais de João não estudaram. O pai frequentou uma escola durante 60 dias apenas. A mãe só foi alfabetizada depois dos 40 anos. Apesar isso, eles incentivaram os filhos a seguir caminhos diferentes. Eles entraram no colégio aos 7 anos. Quem fazia corpo mole ganhava um castigo inusitado: um choque de realidade.



Foto: Marcos Brandão/OBrittoNews


João Batista de Sousa resolveu ser médico depois de um acidente

Para assustar os que não queriam saber de livros, o pai de João os colocava para trabalhar pesado na fazenda, ao lado dos peões. Assim, achava que faria os filhos entenderem que era preciso buscar um futuro melhor. A tática não funcionou com todos. Mas com o vice-reitor da UnB deu certo.

Sempre com boas notas, João teve momentos de dúvida. Chegou a largar a escola por alguns anos. Um acidente de cavalo, no qual quebrou o tornozelo, fez com que mudasse de ideia e começasse a sonhar com o curso mais disputado e cobiçado da cidade. Os cuidados dos médicos o encantaram. Na vizinhança, riam da vontade do menino.

Era impensável que um jovem negro e de família de baixa renda pensasse em dividir um espaço tão privilegiado e tão elitizado quanto um curso de medicina. O ensino superior como um todo ainda é um desafio para a população negra.

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2008 mostram que, na faixa etária considerada ideal para cursar o ensino superior (entre 18 e 24 anos), 20,5% dos brancos concluíram a graduação, enquanto apenas 7,7% dos negros chegaram lá. Quando se analisa toda a população com mais de 25 anos que conseguiu um diploma de ensino superior, a situação se repete: 14,7% de brancos contra 4,7% de negros alcançaram o feito.

Quando entrou na faculdade, a Federal do Triângulo Mineiro, era possível contar nos dedos quantos negros haviam conseguido o mesmo feito. Eram cinco na época, diz João. Dentro da instituição, situações de preconceito aconteciam constantemente.

Certa vez, um colega médico disse que a faculdade não prestava porque admitia negros. Depois emendou que o esforço do vice-reitor de nada adiantaria: “Ele disse que eu morreria pobre porque pobreza atrai pobreza”.

João teve dois casamentos ao longo da vida, as duas mulheres eram brancas. “O meio em que eu vivia era branco”, admite.

Influência das cotas

O vice-reitor da UnB acredita que os programas de ações afirmativas têm mudado os caminhos da juventude negra. Defende as cotas da instituição que trabalha, mas aposta que será preciso tomar medidas mais radicais para mudar a realidade dos negros no País. “Precisamos de políticas na educação básica que coloquem todos nas mesmas condições de competição”, diz.

Talvez por influência das cotas – que não são obrigatórias, mas já foram adotadas em 91 instituições de educação superior no País – a quantidade de jovens que freqüenta a universidade aumentou nos últimos anos, mas está longe de ser igualitária.

Em 1998, apenas 7,1% da população preta ou parda do País frequentava o ensino superior, enquanto 31,8% dos estudantes brancos estavam nessa fase. Dez anos depois, a taxa de negros na universidade saltou para 28,7%, quatro vezes mais. Entre os estudantes brancos, o crescimento foi menor: 60% deles estudam em algum curso de graduação.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

ECONOMIA E VIDA: DA DENÚNCIA AO ANÚNCIO

A Campanha da Fraternidade de 2010, que traz como tema: ECONOMIA E VIDA, e Vocês não podem Servir a Deus e ao Dinheiro (Mt 6,24) como lema, pode ser analisada sob alguns aspectos que nos ajudam a pensar ou repensar caminhos para o desenvolvimento de práticas sociais voltadas para a emancipação social das camadas excluídas da nossa sociedade.

A Campanha da Fraternidade, como sabemos,  é organizada todos os anos pela CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), e tem nas suas comunidades o seu espaço de atuação. Este ano, porém, pela terceira vez, a organização passa a ser feita pelo CONIC (Conselho Nacional das Igrejas Cristãs). Apesar da limitada representação entre as diversas Igrejas Cristãs existentes no Brasil, esse fato reafirma que se é possível o ecumenismo acontecer, certamente isso se dará pela prática social dentro da perspectiva da opção pelos pobres.

O tema desse ano se volta necessariamente para a questão da emancipação social, pensada a partir da crítica à economia neoliberal e buscando alternativas econômicas a partir de outra referência que não seja o acúmulo de capital. Podemos perceber isso no momento em que a palavra Economia é colocada ao lado da palavra Vida. Esse fato leva necessariamente a uma crítica à economia enquanto ciência, o que dá a entender que, dentro da nossa realidade, as políticas econômicas estiveram afastadas das necessidades da maioria da nossa população. Portanto, a Economia não pode ser neutra,  por trás das políticas econômicas há pessoas, vidas, nações que muitas vezes são desconsideradas em prol das necessidades do capital.

Esse tema vem em um momento certo para pensarmos a nossa realidade e buscarmos alternativas acreditando que um novo mundo é possível. A crise econômica em que o mundo foi submerso em 2009 e a tragédia que ocorreu no Haiti (A tragédia natural do terremoto associado à tragédia econômica e política da miséria), estão dentro do contexto dessa economia, onde o capital financeiro e especulativo é o dominante, tendo o mercado como o grande maestro de toda orquestra organizada para fortalecimento do capitalismo globalizado. O Banco Mundial, o FMI e a OMC (Organização Mundial do Comércio), continuam sendo os gestores dos interesses das elites dos países dominantes associados aos interesses internos das elites nacionais dos países periféricos.

O Mercado é colocado como o gestor da felicidade da humanidade, somente a partir dele é que o progresso e a prosperidade têm condições de serem atingidos. Aos poucos se percebe as armadilhas em que todos nós caímos, onde em vez de riqueza e felicidade, surgem a miséria e a infelicidade humana. O "deus" Mercado não põe as suas mãos em prol de todos, mas na proteção daqueles que buscam cada vez mais acumular capital.

O mercado se apresenta como a a história mitológica da mão de Midas, onde Dionísio (o deus do vinho) agradecido ao rei Midas por ter acolhido e protegido seu mestre e pai de criação Sileno, deu a ele o direito de escolher a recompensa que quisesse e Midas pede que tivesse o poder de tudo que tocasse virasse ouro. O seu grande desejo era acumular cada vez mais riquezas e teve como consequência a total infelicidade, pois  além da fome(até os alimentos viraram ouro) acabou fazendo a própria filha também virar ouro . O Mercado é assim também, tudo que ele toca vira lucro: a educação, a saúde, a previdência, o meio ambiente, a política assistencial, a moradia popular, até as demandas provocadas por grandes tragédias naturais. O seu grande objetivo é obter mais lucro, é acumular riquezas, não importanto se com isso irá trazer infelicidades, destruições ambientais, desempregos e miséria.

A Campanha da Fraternidade vem denunciar o projeto Neoliberal que tem nesse Mercado a sua referência, mostrando que é necessário buscar novos referenciais para a construção de uma sociedade nova. E apresenta a Economia Solidária como uma dessas referências. Em outro artigo falaremos um pouco das experiências de Economia Solidária existentes no Brasil.

Gilberto Simplício

domingo, 31 de janeiro de 2010

A arte de ser feliz - Frei Betto

Recebi de uma amiga este apelo: "Existe alguma receita capaz de fazer uma pessoa se apaixonar por algo - seja o que for??? Nem precisa ser coisa transcendental. Algo que dê um sentido à vida. Não que a vida seja desprovida de sentido, mas desprovida de sabor.

"É claro que estou me referindo a mim, e posso até estar sendo exigente demais, ou cruel demais com a minha pessoa. Mas é esta a reflexão de hoje, de agora. Me dou conta de que não tenho paixão alguma. Pelo menos é o que a minha mente me fala e o que percebo. Isso me faz sentir falta de algo...

"Tem gente que gosta de corrida de carros, de cavalos, de barcos. Gente que ama fazer tricô, escalar montanhas, meditar hoooooras a fio; gosta de ler, de ser médico, jornalista, político até. Puxa vida... como admiro isso. A vida frenética das cidades pulsa em algumas pessoas, e a vida pacata do campo em outras. Tenho alegrias e uma normalidade ética permeada por um bom senso bem bacana. Mas eu sinto (até irracionalmente), de forma muito forte, a impermanência.

"Um dia você disse que gostaria de ser semente. Refleti sobre e... nada aconteceu. O ritual inevitável da convivência e tudo o que envolve as relações interpessoais, somados a um bom astral, já cuidam disso. Queria me apaixonar. Ter um hobby. Qualquer um.

"Alegrias são muitas. Tenho o sorriso fácil... Mas a felicidade é coisa rara, de frágeis e preciosos momentos. Tenho uma implicância danada com aquela música do Zeca Pagodinho que diz: "...deixa a vida me levar... vida leva eu..." Quero sentir um sentido. A vida, o planeta, a diversidade religiosa etc., são assombrosos de tanto infinito. Mas permaneço no raso. Sem querer explorar o seu tempo e os seus insights... digo: gostaria de saber o que você teria a dizer sobre isso".

Fiquei pensativo. Há pessoas que me julgam portador de respostas para os impasses da vida. Mal sabem elas quantos acumulo em minha trajetória. Contudo, sei o que é felicidade. Difere da alegria. Felicidade é um estado de espírito, é estar bem consigo, com a natureza, com Deus. Com os outros, nem sempre. As relações humanas são amorosamente conflitivas. Invejas, mágoas, disputas, mal-entendidos, são pedras no sapato.

Alegria é algo que se experimenta eventualmente. Uma pessoa pode ser feliz sem parecer alegre. E conheço muitos que esbanjam alegria sem me convencerem de que são felizes.

Após meditar sobre a consulta de minha amiga, respondi: "Querida X: diria que a primeira coisa é sair da toca... Enturmar-se com quem já encontrou algum sentido na vida: a equipe de jogo de xadrez, a turma do cinema, de arte em casa, o grupo político, a ONG da solidariedade etc. É preciso enturmar-se, sentir a emulação que vem da comunidade, dos outros, esse entusiasmo que, se hoje falta em mim, exala do companheiro ao lado...

"Você pode encontrar a paixão de viver em mil atividades: ler histórias num asilo, ajudar voluntariamente num hospital pediátrico, costurar para uma creche ou participar de um partido político, um grupo de apoio a movimentos sociais; alfabetizar domésticas e porteiros de prédios ou se dedicar a pesquisar a história do candomblé ou por que tantos jovens buscam na droga a utopia química que não encontram na vida.

"Mas, sobretudo, sugiro mergulhar numa experiência espiritual. Mergulhar. É o que, agora, nesta manhã luminosa de Cruz das Almas (BA), me vem à cabeça e ao coração".

O sábio professor Milton Santos, que não tinha crença religiosa, frisava que a felicidade se encontra nos bens infinitos. No entanto, a cultura capitalista que respiramos centra a felicidade na posse de bens finitos. Ora, a psicanálise sabe que o nosso desejo é infinito, insaciável. E a teologia identifica Deus como o seu alvo.

Ninguém mais feliz, na minha opinião, do que os místicos. São pessoas que conseguem direcionar o desejo para dentro de si, ao contrário da pulsão consumista que faz buscar a satisfação do desejo naquilo que está fora de nós. O risco, ao não abraçar a via do Absoluto, é enveredar-se pela do absurdo.

Como o Mercado, que tudo oferece em sedutoras embalagens, ainda não foi capaz de ofertar o que todos nós mais buscamos – a felicidade -, então tenta nos incutir a idéia de que a felicidade resulta da soma dos prazeres. Possuir aquele carro, aquela casa, fazer aquela viagem, vestir aquela roupa... nos tornarão tão felizes quanto o visual dos atores e atrizes que aparecem em peças publicitárias.

Tenho certeza de que nada torna uma pessoa mais feliz do que empenhar-se em prol da felicidade alheia: isto vale tanto na relação íntima quanto no compromisso social de lutar pelo "outro mundo possível", sem desigualdades gritantes e onde todos possam viver com dignidade e paz.

O direito à felicidade deveria constar na Declaração Universal dos Direitos Humanos. E os países não deveriam mais almejar o crescimento do PIB, e sim do FIB – a Felicidade Interna Bruta.

sábado, 16 de janeiro de 2010

O verdadeiro "Tempos Modernos" Emir Sader


A expressão "Tempos Modernos" foi consagrada como um dos clássicos do cinema de todos os tempos. Dirigido e interpretado por Charles Chaplin, em 1936, compôs, com "O Garoto" e "O Grande Ditador", uma trilogia genial em que o cinema retrata os grandes problemas da época de forma sensível, dramática e politicamente comprometida.

O tema central do filme, que o notabilizou, é a alienação. Questão central na critica ao capitalismo, a alienação começa no processo produtivo, em que o trabalhador usa sua força de trabalho sem ter consciência do que está produzindo, sem ser consultado sobre o que sua capacidade de trabalho vai produzir, sobre a quem deve ser destinada sua produção, a que preço, etc.

Nas palavras do principal teórico da alienação, Marx: “Eles fazem, mas não sabem”. Isto é, os trabalhadores produzem toda a riqueza na sociedade capitalista, mas não tem consciência disso, são alienados.

Carlitos é um operário padrão da industrialização maciça do capitalismo, que produziu aquelas imensas fábricas de dezenas ou centenas de milhares de trabalhadores, anônimos diante da complexa e assustadora maquinaria, que comanda o processo produtivo e os trabalhadores, ao invés de ser comandados por eles.

É o ponto de chegada de uma imensa transformação histórica produzida pelo capitalismo e sua extraordinária capacidade de desenvolver as forças produtivas – reconhecida por Marx já no Manifesto Comunista. Essa longa trajetória, que vai do artesão a esse operário que Carlitos representa, nas grandes cadeias de montagem, está descrita em um dos mais belos textos de Marx – "Da manufatura à grande indústria”, no primeiro volume do Capital.

No início, o capitalista contrata os artesãos, que fazem, cada um com seu estilo individual, suas mercadorias – sapatos, louças ou roupas. O capitalista aluga sua força de trabalho, os junta no que se chamava na época de manufaturas, no sentido de locais onde os trabalhadores produziam com suas próprias mãos suas mercadorias.

Aos poucos o capitalista se dá conta que uns tem mais propensão para produzir uma fase da mercadoria final, outros, outra e começa a introduzir a divisão técnica do trabalho, a especialização, em que vai se perdendo o estilo de cada um, para diluir-se no anonimato da mercadoria final, produzida por um trabalhador coletivo. O caráter artesanal da produção vai se diluindo também pouco a pouco.

O capitalista precisa ganhar escala na sua produção, porque é nela que ele ganha, barateando o custo das mercadorias produzindo e competindo em melhores condições, assim como rebatendo o que Marx chama de tendência decrescente da taxa de lucro, porque ele ganha na exploração do valor não retribuído ao trabalhador – a famosa mais valia -, mas como ele investe, proporcionalmente, cada vez mais em instalações, matérias primas, maquinaria, etc., tende a ganhar menos em cada mercadoria produzida. Trata de recuperar isso, ganhando na massa de mercadorias produzidas. Assim o capitalista está condenado a produzir cada vez mais, não porque queira atender as necessidades das pessoas, mas porque precisa multiplicar a acumulação de capital, ganhar mais e triunfar na competição. Aqui está um dos mecanismos que condena o capitalismo a crises cíclicas.

Até que se chega à grande indústria, onde trabalhará Carlitos. O centro da produção se desloca definitivamente do trabalhador individual e da seu instrumento artesanal de trabalho para as maquinas, articuladas nessas imensas cadeias de produção, que comandam os trabalhadores, ao invés de ser comandadas por eles. Chega-se assim ao momento de máxima alienação, em que o trabalhador é uma peça ínfima de um gigantesco processo de produção, que cada vez esconde mais diante dos seus olhos, que é ele o produtor das riquezas, que tudo depende do seu trabalho, que é dele que vem o valor a mais que acumula o capitalismo e o capitalista.

Carlitos é prisioneiro do ritmo da cadeia de produção que circula diante dele, no ritmo que ditam as máquinas, ao qual tem que se adaptar o operário. Produzem-se aí as cenas mais inesquecíveis, impagáveis e tristes, ao mesmo tempo, em que ele tenta mudar o ritmo da máquina, não consegue e corre atrás das mercadorias que passam velozmente diante dele, para cumprir a mesma função durante toda sua jornada de trabalho, todos os dias da semana, o mês inteiro: apertas as porcas de um pedaço de metal que circula rapidamente, um atrás do outro, de que ele não tem a menor idéia a que mercadoria final ele pertence.

Condicionado por esse movimento mecânico, desqualificado como mão de obra – que permitiu ao capitalismo incorporar à produção mulheres e crianças, pela pouca qualificação que passou a demandar a massificação da produção – de apertar botões, Carlitos sai da jornada de trabalho – que chegou a ser, no capitalismo, de 14 e de 16 horas diárias -, meio zonzo. Quando cruza com uma mulher, na rua, e vê nos botões do casaco dela objetos que lhe recordam as porcas a que está condenado a apertar milhares de vezes ao dia, condicionado, pavlovianamente, por aquele objeto, ele corre atrás dela para cumprir a função que lhe é atribuída e que o deixa obcecado. Toda sua vida está marcada por aquele repetitivo movimento, que comanda sua vida, demonstrando como ele vive para trabalhar e não trabalha para viver.

Ele anda pela cidade, vê nas vitrines talvez as mercadorias finais que de que ele produziu uma pequena peça, diariamente, transformada em mercadoria final, exibida no “mercado” para a compra, em que se materializa o momento final da alienação, em que ele não reconhece o que ele mesmo produziu. Em que provavelmente não ganhará o suficiente para comprá-la, mesmo sem consciência que é produto do seu próprio trabalho.

Alienar, no sentido marxista, vem da expressão jurídica, por exemplo de alienar um bem, passar a outro o que é nosso. Nesse caso, o trabalhador entrega a riqueza produzida pelo seu próprio trabalho ao capitalista, que se apropria dela, remunerando o trabalhador não pelo que ele entrega, mas que necessita para sobreviver como trabalhador, para ter forças para voltar no dia seguinte para apertar, alienadamente, as mesmas porcas da mercadoria em que ele não se reconhece e que não pode comprar.

É um mecanismo fundamental para compreender que o capitalismo não é apenas um sistema de produção de riquezas, mas inerentemente um sistema de exploração dos trabalhadores, o que faz com que estes, que produzem toda a riqueza existente na sociedade capitalista, apenas sobrevivam, enquanto os capitalistas, que apenas administram o processo de exploração, enriqueçam.

Esse o tema do "Tempos Modernos", obra prima do cinema, de Charles Chaplin. A TV contemporânea, máquina de alienação, que não respeita nada, usa o nome "Tempos Modernos" para mais uma novela global - o máximo de alienação, que esconde ao invés de revelar, os mecanismos essenciais da nossa sociedade.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

A CIDADANIA E A BUSCA DE UMA IDENTIDADE

A cidadania, mais que um conceito, é o resultado de diversas ações que levam uma pessoa a se sentir um cidadão. Não dá para falar de cidadania sem falar em políticas públicas. Hoje,  quando analisamos as diversas políticas sociais, temos que entender como  as pessoas estão sendo atingidas por elas. Não basta dizer que todos têm acesso à educação, devemos perguntar sobre a qualidade da educação pública, qual o objetivo dessa educação e também não é o suficiente falar que há postos de atendimento de saúde em todos bairros. Mas como é realizado esse atendimento, se o paciente necessitar de exames mais complexos?  Se precisar de um atendimento especializado, terá acesso a ele?
Não podemos nos esquecer,  como nos diz a filósofa Marilena Chauí, de que a sociedade brasileira vem tendo durante a sua história, a construção de uma lógica social baseada na ideia do direito como uma dádiva das elites dominantes para os historicamente considerados sem direitos. Uma sociedade onde os direitos sempre foram baseados na tutela e no favor. Uma sociedade onde as diferenças foram transformadas em desigualdades e essas em exclusões sociais. Uma sociedade onde as leis sempre foram utilizadas para defender aqueles que tem propriedades (capital) e punir quem não as tem (trabalhadores).
Podemos perceber que a cidadania está intimamente ligada à qualidade de vida que as pessoas adquirem ao usufruírem seus direitos e também ao nível de participação política no destino da sociedade em que está inserida. Mas será que cidadania seria somente isso? Que direitos são esses e como eles são definidos? Quem os define? Será que cidadania é um conceito idêntico em todos os lugares e épocas? Por que ela é utilizada por diferentes correntes ideológicas (liberais, socialistas, sociais-democratas, trabalhistas, neoliberais etc)? Será que ela tem o mesmo significado em todas elas?
Essas são questões que não podemos perder de vista ao analisarmos esta temática. Mas, o principal de tudo, é que não podemos pensar cidadania como uma questão individual, como querem os liberais, ela tem que ser pensada a partir de toda a sociedade. E isso pede - e é necessário -  que seja resgatado o papel dos Movimentos Sociais e que se debata, com mais ênfase, os novos caminhos trilhados pelos movimentos na atualidade.
Hoje, na análise sociológica, a  cidadania não é apenas mais um conceito, ela, juntamente com   o de classes sociais, deve ser vista como um referencial de análise para articularmos as diversas concepções e questões pertinentes  e a problemática do acesso  e da conquista aos direitos sociais.

Gilberto Simplício

A EDUCAÇÃO POPULAR E A DESCONSTRUÇÃO IDEOLÓGICA

  A EDUCAÇÃO POPULAR E A DESCONSTRUÇÃO IDEOLÓGICA [1] Gilberto Simplício [2]     Livre como posso Neste mundo de prisões Desde o...