Gilberto Simplício[i]
É dentro do
contexto dessa fragilidade que é resultado de uma vulnerabilidade socioeconômica,
no nosso caso, da contradição da sociedade capitalista fundamentada nesse
momento na hegemonia do mercado, que queremos refletir nesse texto.
Muitos pensam
que para atacar qualquer tipo de tráfico, a solução estaria na repressão a esse
crime, mas se não combatermos aquilo que fomenta o tráfico, não adianta nenhum
tipo de prática repressiva. Se não houver possibilidade de amenizarmos essa
vulnerabilidade socioeconômica, sempre haverá pessoas que serão presas fáceis
para esses grupos criminosos.
As populações
susceptíveis às vulnerabilidades socioeconômicas habitam principalmente as
periferias das cidades ou as zonas rurais, cuja situação clama por grandes
demandas de políticas públicas. Essa situação de risco em que vive parcela da
nossa população faz com que essa se torne refém de políticas sociais das três
esferas de governos: municipal, estadual e federal. Mas, apesar de ter claro que toda política
social está diretamente ligada ou dependente de políticas econômicas globais,
queremos nos deter diretamente no debate de políticas sociais que têm como
referência os grupos sociais vulneráveis nas cidades, pois nossas ações estarão
diretamente relacionadas aos nossos municípios.
Os diversos
problemas sociais que atingem as populações carentes das nossas cidades estão relacionados
aos projetos políticos e econômicos excludentes, em que a cidadania é negada
não por não terem direitos (estão nas leis), mas por estarem fora do centro dos
interesses dos planejamentos econômicos e políticos dos governos. Isso fica
claro quando analisamos a importância de secretarias que desenvolvem
diretamente as políticas sociais junto às populações periféricas. A secretaria
de ação social ou de assistência e promoção social, dependendo da cidade, tem o
contato direto com essa população, e, ao mesmo tempo, vive uma situação
contraditória dentro de vários governos municipais. É a secretaria que se
depara com os diversos problemas que atingem essas populações, mas é uma
secretaria secundária (em nível de importância) dentro dos governos municipais.
É uma secretaria que tem uma relevância política quando se relaciona ao
processo eleitoral, mas que não faz parte do eixo central de decisões dos
governos. Historicamente (fortalecidos pelo patriarcalismo e por políticas
clientelistas) ela sempre foi vista como a secretaria da “primeira dama”.
Espaço de “caridade” e controle social, e nunca um espaço de formulações de
políticas públicas e de desenvolvimento estratégicos.
Mesmo após a
Constituição de 1988, em que conquistas na área social foram significativas, a
cultura política não mudou. A utilização clientelista permaneceu nas entranhas
do poder municipal. Apesar das lutas e conquistas dos novos instrumentos de
participação e controle público, ainda assim, as secretarias de assistências
sociais não conseguiram em muitos lugares se imporem enquanto espaço político
estratégico nas formulações dos programas de governos. Os profissionais dessas
áreas ficam, muitas vezes, de pires nas mãos, reféns da centralização das
decisões políticas, nas mãos de pessoas que não têm o contato direto com as
populações em situação de vulnerabilidade social e com isso sofrem com a
contradição gerada dentro dos próprios poderes municipais: tem que dar
assistência para populações que sofrem com problemas gerados por políticas (ou
falta de políticas) de outros setores dos governos municipais. Ou seja, sendo
“bombeiro do próprio incêndio”.
Dentro desse
contexto político, importa dar valor estratégico a essas secretarias que lidam
diretamente com a população mais carente, mudar o caráter de gestão municipal,
onde uma secretaria possa ir além de ser apenas gestora de programas sociais
federais e passe a ser formuladora de políticas públicas locais. Isso,
logicamente, mexe com os interesses que dominam os projetos de desenvolvimento
de muitas cidades, principalmente com o mercado imobiliário, que domina hoje os
planejamentos urbanos locais, independentemente do tamanho da cidade. E aqui
entra outra contradição, atacar a vulnerabilidade socioeconômica é pensar sobre
a questão da moradia. As más condições
de moradias é, sem dúvida nenhuma, um dos principais termômetros de riscos
sociais, em que a população se torna mais vulnerável às diversas situações de
mazelas e violências sociais. Os
projetos de urbanização, dentro da lógica do capital, vendem uma ideia de
inclusão, em que o desenvolvimento é para todos e o espaço melhora para ser
consumido por todos. Cria uma visão de cidadania que integra, mas na verdade
estamos vendo a construção de um fetiche da igualdade, ou o que alguns chamam
de invisibilidade
da desigualdade. Isso faz com que a vulnerabilidade aumente no meio
dessa população, já que a desigualdade é provocada também pelo tipo de projeto
que domina as realidades locais. Por isso, reafirmamos a necessidade de ter no
centro das formulações políticas e planejamentos das gestões municipais,
secretarias que sempre estiveram nas periferias do poder. São importantes
aqueles que estão na ponta, no contato direto com as demandas sociais, sejam
também atores nas formulações e nos planejamentos governamentais.
Mas se a
reestrutura do processo de Planejamento estratégico das ações governamentais é
importante, isso só tem valor com o fortalecimento da sociedade civil no que
tange à organização dos movimentos sociais e das vias de participação política
dessas populações periféricas. Se a vulnerabilidade está diretamente relacionada
ao não atendimento às demandas sociais das comunidades das periferias dos
municípios, a luta social para a mudança dessa situação passa a ser urgente. A Campanha
da Fraternidade passa a ter esse papel também, qual seja, levar para as
diversas instâncias sociais e políticas o debate sobre o Trafico Humano,
levando a própria sociedade à responsabilidade de lutar contra as situações que
possibilitam a existência de pessoas em risco de viver tal situação.
As Igrejas
que atuam diretamente com essas populações, através das suas instituições, e
principalmente as pastorais sociais, tornam-se sujeitos políticos importantes
para dar visibilidade a essa desigualdade social e atuarem de forma profética
na denúncia
de tais situações e no engajamento para combater as causas
que fazem existir esses crimes e no atendimento pastoral às vitimas do tráfico
de seres humanos (crianças, jovens, mulheres e trabalhadores)
Sendo assim, esperamos que se possa aprofundar cada vez mais, dentro de nossas comunidades e organizações eclesiais essa temática e que se busque ações concretas para a transformação de uma realidade que vai contra a dignidade da pessoa e contrário ao projeto de Deus, que somos chamados a participar de sua construção enquanto filhos e filhas do Deus da Vida e da História.
Sendo assim, esperamos que se possa aprofundar cada vez mais, dentro de nossas comunidades e organizações eclesiais essa temática e que se busque ações concretas para a transformação de uma realidade que vai contra a dignidade da pessoa e contrário ao projeto de Deus, que somos chamados a participar de sua construção enquanto filhos e filhas do Deus da Vida e da História.